10 Conselhos
Correr a S. Silvestre é acima de tudo uma diversão. Existem alguns participantes que partem para ganhar, mas a grande maioria privilegia a participação e o convívio. A marcha de 5 kms e a corrida de 10 kms não são certamente dificuldades de maior para quem está habituado a caminhar ou correr. Não estão descritos acidentes de importância relevante nas edições anteriores, pelo que se pode considerar uma prova segura na perspetiva médica. Contudo, a Runporto decidiu este ano elaborar dez regras, ou melhor, 10 conselhos para que os participantes desfrutem com mais alegria e mais conforto esta prova.
Nesta introdução importa dar realce ao exame médico que todos deveriam fazer antes de enveredar pela prática do atletismo, de modo regular ou casual, como poderá o caso dos muitos inscritos. Importa assegurar que aquela máquina está em condições em participar nesta corrida, independentemente de a pessoa sentir-se bem ou mal. Então é necessário ir ao médico para observar e afinar a máquina. Também será o momento para aconselhamento, nomeadamente a correção dos fatores de risco de doença cardiovascular (tabaco, hipertensão arterial, diabetes, obesidade, etc.). Esta é uma responsabilidade individual, que mais ninguém pode assumir. Note-se que a ausência de queixas não significa que não haja doença subjacente em evolução, a qual se manifestará mais tarde. Também os portadores de problemas músculo-esqueléticos, ortopédicos, ou com lesões mal curadas ou ainda não curadas merecem aconselhamento adequado acerca da participação nesta corrida-festa. As muitas descidas não favorecem os joelhos, mas mesmo as zonas planas são muito agressivas para os artrósicos e obesos. A ausência de luz natural e a pouca luz artificial também dificultam a participação. Se estiver a chover o piso torna-se mais escorregadio e as quedas serão mais frequentes. Se estiver frio é necessário proteger o corpo e evitar que seja demasiado arrefecido e também evitar que seja sobreaquecido. Importa também beber, isto é, hidratar bem, assim como iniciar a corrida bem alimentado, mas não empanturrado. Estes são alguns aspetos a abordar nos capítulos seguintes.
Parece óbvio o conselho da hidratação adequada na corrida realizada no tempo quente. O corpo aquece mais e a perda de suor é evidente. Mas poderá parecer estranho que na corrida realizada em ambiente frio seja necessária também a hidratação adequada, tanto mais … que nem está muito calor. É um puro e elementar erro. A exposição ao frio pode causar perdas de líquido até 2 a 5% do peso corporal, por quatro razões principais. A 1ª tem a ver com a ideia já referida, pelo que a pessoa tem diminuição da ingestão espontânea de líquidos porque considera não ser necessário, pois a desidratação não é problema que se coloque naquele contexto, para além do frio bloquear a sensação da sede. Tal significa que se sente menos sede perante o estado de desidratação já adiantado. Depois, há tendência em urinar mais e que não tem a ver com eventual ingestão exagerada de líquidos. Em ambiente frio perde-se muita água pela respiração, devido ao ar frio que entra pelo nariz. Finalmente, poderá haver grande volume de sudação decorrente do exercício ou da corrida, principalmente por parte daquelas pessoas que usam quantidade de roupa ou material impermeável, tipo nylon, o qual faz efeito de estufa.
A falta de hidratação adequada por parte do atleta é um problema grave, atual e persistente, mesmo quando o evento desportivo ocorre em ambiente frio (e ventoso). A desidratação que se desenvolve impede o corpo de controlar a temperatura corporal, que sobe mesmo em ambiente frio, originando um estado de hipertermia, com consequências médicas, para além das do rendimento.
As regras da hidratação são universais e aplicam-se em todo o tipo de ambiente. Nas 4 horas que antecedem a corrida beber entre 350 e 500 ml de água. Tal permite hidratar e urinar o eventual excesso de líquido entretanto ingerido. Se duas horas antes do início da prova a urina ainda for de cor escura, não tiver a cor amarelo-palha, deve reforçar-se a hidratação, bebendo cerca de 250 ml de água ou de bebida desportiva. Depois, durante a corrida, e se houver hidratação prévia adequada, provavelmente não será necessária hidratação adicional, a menos que a taxa de sudação seja elevada (muita roupa? Uso de impermeáveis? Corrida demasiado rápida?). Nestes casos, a ingestão de cerca de 150 ml de água ou de bebida desportiva de 20 em 20 minutos será certamente suficiente e ajudará a que a boca e garganta não fiquem muito secos em consequência do ar frio.
Para correr e caminhar é preciso energia nos músculos para que se desencadeia a contração muscular e a realização de movimento. Na S. Silvestre existe uma Marcha de 5 kms e uma corrida de 10 kms, distâncias relativamente curtas, que não colocam problemas neste capítulo da alimentação. Não será necessário fazer uma grande refeição antes do início das provas, e se optar por fazer a sua corrida ou caminhada pelas 18h, deve adotar um lanche realizado entre as 15h30 e as 16h00. Presume-se que os participantes se tenham alimentado bem (normal) no dia anterior, tenham tomado o pequeno-almoço e tenham almoçado cerca das 12h30. O lanche deve incluir alimentos sem gordura (nada de queques, croissants ou de bolos de arroz!) e com muitos carboidratos, uns de absorção lenta e outros de absorção mais rápida. Comer um ou dois pães, com fiambre, marmelada ou compota, beber um sumo natural, comer um pouco de aletria ou de flocos de cereais, empurrados por chávena de café com leite ou apenas de leite meio-gordo. Depois pode tomar-se um café, pois a cafeína é necessária para subir a Rua de Santa Catarina. Depois, antes da partida, e se for necessário, pode comer-se uma barra energética ou uma banana média muito madura (as que têm pontos negros são as melhores!). Durante a curta corrida não será necessário comer, mas aconselha-se à ingestão periódica de uns goles de uma bebida desportiva. Não esquecer que grande parte da energia necessária para a corrida resultou do armazenamento dos açúcares no músculo (glicogénio) que ocorreu no dia anterior.
Proteção do frio
Na corrida de S. Silvestre não estará certamente muito frio, pelo que não será necessário transportar muita roupa. Muita roupa torna pessoa inchada e dificulta a corrida. É aconselhável usar várias camadas de roupa em vez de duas camisolas muito grossas. O objetivo é criar almofadas de ar quente entre as várias camadas de roupa, o qual fica como que encarcerado, aumentando bastante o isolamento térmico. Também a passagem do suor para fora, para longe da pele, atravessando as várias peças de roupa, é favorecida com esta estratégia. Depois, se se aquecer bastante em resultado da corrida e da camada de roupa, é sempre possível ir tirando peças de roupa de modo a ficar mais confortável.
A peça de roupa junto ao corpo não deve ser de algodão, pois este absorve (chupa) o suor e retém-no, o que provoca maior condução térmica para fora do corpo. Usar uma t-shirt em tecido de polipropileno sob uma sweat-shirt será certamente suficiente. A ação de transferência de humidade do polipropileno por capilaridade das fibras é excelente, já que o propileno é hidrofobo. Depois, e especialmente se estiver vento, uma capa fina e plastificada de goretex ou de nylon (poliamida) completará o isolamento e refletirá o vento. O tecido de nylon poderá não ser o ideal, pois a sua fibra nem absorve a transpiração, nem tem capacidade de a libertar para o exterior, pelo que a transpiração fica entre o corpo e o vestuário. O goretex é um tecido que respira e será melhor que o nylon, o qual não respira e pode agravar a perspiração. O uso destes impermeáveis para perder peso tem sucesso, mas apenas se perde peso à custa e água, já que se sua muito mais, e muitíssimo pouco peso é perdido à custa de gordura, que seria o objetivo primeiro. Quando a temperatura dessa transpiração (humidade) baixa, aparece uma sensação de arrepio, desagradável sem dúvida.
A última peça deve permitir a saída do suor, para evitar o arrefecimento, e a saída do excesso de calor para evitar o eventual sobreaquecimento. É por isso que a existência de um fecho (zipper) na frente permite subi-lo ou descê-lo de acordo com as necessidades do momento. Deve-se manter o corpo o mais seco possível, o que melhorará a capacidade de isolamento e aumentará o conforto. Para os membros inferiores pode usar-se algo também feito de polipropileno ou licra se sentir de facto frio.
Em conclusão: usar camadas de roupa, em número de acordo com o conforto individual, sendo a que está junto ao corpo feita em fibra de polipropileno (e não de algodão) e a mais externa com capacidade de reflexão do ar / vento.
Pode perder-se cerca de 25% do calor corporal através da cabeça, mas nos dias frios este valor pode subir para 40% do total de calor produzido no interior do corpo. Embora a cabeça corresponda a pequena percentagem da superfície corporal, constitui uma zona de grande arrefecimento. De um modo geral o uso de um chapéu leve de material sintético, que promova a eliminação do suor e não cause comichão, é suficiente. Para temperaturas mais adversas considerar uma proteção feita de lã.
A proteção do pescoço, principalmente da face anterior, sobre a qual se faz sentir mais o ar frio e o vento, não deve ser descurada. A gola alta impede a perda direta de calor para o meio ambiente, impede a ação gelada do frio sobre a pele e evita a entrada de ar frio para o tórax.
As orelhas e o nariz colocam problemas adicionais, já que têm pequeno volume para a grande área de exposição. Tal significa que o calor da pequena massa corporal é insuficiente para aquecer tão extensa área cutânea, pelo que devem ter especial atenção e protegidos, para o que basta cobri-los. O barrete usado para a cabeça pode ser prolongado abaixo das orelhas.
A pele da cara é muito sensível e exposta. Os lábios ainda o são mais. Tapar a cara está indicado nos ambientes com temperaturas muito baixas, mas a aplicação de vaselina nos lábios, no nariz e nas maçãs do rosto para prevenir a ação agressiva do (vento) sobre a pele é um método eficaz.
As peças de roupa que cobrem simultaneamente a cabeça e cara são muito úteis em ambientes mais gelados. Para além da proteção contra o frio, proporcionam a inspiração de ar ligeiramente mais aquecido. Contudo, não serão certamente necessárias para a corrida de S. Silvestre.
Perde-se muito calor pelas extremidades (mãos e pés), o qual é fundamental para manter a temperatura corporal em nível confortável. Há quem refira que este valor pode chegar a 30% do calor produzido pelo corpo. É, assim, importante cobrir as mãos com tecido que elimine a sudação. As luvas parecem ser o meio mais adequado, mas nos dias de muito frio, ou quando se brinca na neve, as luvas sem dedos, nas quais o polegar está separado dos restantes dedos, são melhor opção, já que os outros quatro dedos aquecem-se uns aos outros. E se estiver muito frio é ainda possível usar por dentro uma luva normal, não de algodão, mas de material que não acumule o suor, como é o caso do polipropileno, ou a lã. Para aqueles que têm má circulação e são fustigados pelas frieiras, que são problemas circulatórios graves e dolorosos, o melhor tratamento é o uso de luvas.
No tempo frio os dedos dos pés ficam com pouca circulação sanguínea, pelo que chega lá pouco sangue quente para os aquecer: aquecemos demasiado pouco os dedos em relação ao calor que eles perdem para o meio ambiente muito frio, gelado. Os pés perdem calor através das solas para o chão gelado. O problema agrava-se se os pés ficam molhados, pois esta humidade facilita ainda mais as perdas caloríficas para o exterior. O suor faz perder calor 23 vezes mais rápido que o ar! A diminuição do sangue para os dedos torna-os brancos, frios e dolorosos. Com o andar dos quilómetros podem surgir feridas, frieiras e, em casos dramáticos, amputações. A situação é agravada nas pessoas com patologias crónicas: diabetes, hipertensão arterial, obesidade, aumento do colesterol sanguíneo, etc. Se os pés estiverem quentes a circulação sanguínea local aumenta e previnem-se estes azares, para além de aumentar o conforto local.
É necessário proteger os dedos dos pés. Antes de calçar as meias os pés devem ser bem secos. As meias de lã regulam melhor a temperatura e a humidade, aumentando a segurança e o conforto nos dedos dos pés. O material de acrílico ajuda a expulsar a humidade para o exterior, para fora do contacto com a pele dos pés. Não usar meias de algodão que encharcam, acumulam água (suor) e fazem perder calor mais rapidamente. O uso de 2 pares de meias (o mais interno com espessura fina e o mais externo com espessura mais grossa) é também uma possibilidade, mas o par junto à pele não deve ser … de algodão! O mesmo se aplica à roupa interior: nada de algodão. Contudo, o volume extra de meias não deve causar desconforto ao pé quando calçar a sapatilha.
As meias devem adaptar-se bem aos pés e não terem elástico demasiado apertado em cima ao ponto de comprometer a circulação sanguínea no regresso ao coração. Por vezes há mesmo necessidade de as usar ao contrário para que as suturas não agridam e causem conflito sobre a pele.
Em conclusão: as meias devem permitir a eliminação / evaporação do suor e manter os pés aquecidos. As meias e algodão são muito más, enquanto as de polipropileno são as desejadas. Por outro lado, nem sempre as mais grossas são a melhor opção.
Mais de 10% dos atletas portugueses de alta competição têm asma ou uma reação dos brônquios que, embora não sendo asma, provoca queixas e consequências clínicas e no rendimento semelhantes à asma. Esta condição chama-se broncoespasmo induzido pelo exercício físico. Os estudos feitos em Portugal dizem-nos que os nadadores de competição são muito atreitos a esta hiperreatividade brônquica. A consequência é que as vias aéreas ficam mais apertadas, mais estreitas, o que condiciona a passagem do ar. Aquando da expiração sai menos ar, provoca ruído e quem está lado ouve os tais gatinhos, que os médicos chamam de sibilos. Poderá haver sensação de aperto no tórax, falta de ar e tosse.
Correr em ambiente frio, inalando o ar frio, é um dos mecanismos provocadores desta reação dos brônquios, simulando a reação asmática. A maioria das pessoas não diagnosticadas nem se apercebe desta anormalidade porque se habituou a esta incapacidade e sentem-se como normais. Mas não são. O ar frio e seco agride e seca as vias aéreas, altera o ambiente local, as quais reagem estreitando-se e diminuindo o calibre.
A prevenção primária desta patologia passa pela realização de um rastreio através de um teste simples, rápido e barato. Chama-se espirometria com broncodilatação. Se a prova for positiva há remédios que ajudam a minorar a incapacidade e, depois sim, as pessoas vão notar a diferença. Nos atletas não diagnosticados, e também para proteção das vias aéreas dos pulmões e para conforto individual, recomenda-se inspirar o ar pelo nariz, o que faz com que o ar inalado seja aquecido e humificado e os pós fiquem retidos no nariz. Em ambientes mais frios considerar o uso de um lenço, em frente ao nariz, que tem como função realizar um pré-aquecimento do ar que vai ser inalado. A ingestão regular de líquidos é outra medida importante para a prevenção da desidratação das mucosas que revestem as vias aéreas.
Correr ao final a tarde ou de noite coloca problemas de visibilidade e de perceção do solo onde se colocam os pés. Correr em grupo e com pouca luz natural ou luz artificial insuficiente não permite visualizar eventuais incómodos da via pública, como sejam pequenos buracos, objetos abandonados ou passeios mais elevados. A perceção nervosa está deteriorada e o perigo de queda existe. O corpo arrefecido, decorrente da perda calorífica provocada pelo uso inadequado de roupa, não reage rápida e eficazmente a eventuais adversidades. O piso escorregadio, as descidas e o tipo de piso (paralelos lisos, por exemplo), são mais alguns fatores de risco de queda ou de lesão. Quando todos estes fatores se congregam importa redobrar a atenção, evitar correr em grupos, perdendo-se a visibilidade do solo, privilegiar os pisos mais aderentes, especialmente nas descidas, e estudar o percurso nos dias anteriores ao da corrida. O treino propriocetivo, mais do que a realização dos alongamentos, durante os treinos é fundamental para melhorar a função neuromuscular, a qual, quando potenciada, é o melhor instrumento para evitar a queda aquando do tropeção imprevisto. Com a ajuda de um terapeuta e realizado pelo menos três vezes por semana durante alguns minutos em cada sessão, o treino propriocetivo constitui um ótimo auxiliar do praticante desportivo, que lhe é útil no desporto e na sua vida diária, profissional ou de lazer.
Após terminar a prova surge o momento de celebração por se ter conseguido terminar a prova. Mas também é tempo de recuperação, imediata e para as provas que se seguem. A primeira obrigação é proteger-se do frio e da chuva e das suas consequências: mudar para roupa seca e quente caso tal seja necessário. Frio e roupa molhada é a receita ideal para o enregelamento e hipotermia. Seque-se e mude-se. Troque de calçado se as sapatilhas estiverem molhadas. Depois vem a recuperação das reservas energéticas esgotadas durante a prova. É muito importante logo na primeira hora começar a hidratar e a comer alimentos de absorção rápida: pão com marmelada ou compota, bolachas tipo Maria, flocos de cereais e barras energéticas, são alguns exemplos. Quanto mais precocemente começar a ingestão alimentar, mais eficaz é a reposição do glicogénio no músculos e mais apto se fica para realizar o treino no dia seguinte. Depois, ao jantar, coma algo de fácil digestão, para o que basta eliminar as comidas com muitas gorduras, ignorar os molhos e as comidas mais pesadas, assim como o consumo excessivo de álcool. Todo o organismo está cansado e agradece que não lhe sobrecarregue o aparelho digestivo, pois o sangue faz falta à recuperação muscular e do fígado. Para muitos o dia seguinte será dia de trabalho, pelo que é aconselhável ficar em casa, descansar o corpo e a alma, pois muitos dias de festejos e de exageros se aproximam. Parabéns por ter vencido mais um desafio da sua vida.